© Nuno Ribeiro |
Estamos agora do lado de fora da porta do cubo transparente. O nosso exercido terminou. Cubo transparente a esvaziar lentamente com as centenas de milhares de pessoas que sobreviveram sem adoecer, discutir, ou reclamar a saírem, ajudadas ordeiramente pela organização.
Já do lado de fora, alguns enquanto passam por ti dão-te uma pancadinha nas costas, outros sorriem, e em menor número alguns ao passar por ti ainda verbalizam: fizeste o teu melhor.
Possível ou impossível lembras-te de todos os pormenores do que lá se passou. Da notificação formal que recebeste, das malas para dois ou três dias que fizeste, da viagem de avião marcada até ao hotel barato em que ficaste, da visão daquele cubo gigantesco a resplandecer por detrás da colina enquanto o taxista a tua sorte como portador de convite. Lembras-te de tudo.
Mas não te consegues lembrar de nada a partir do momento em que de faca na mão te pediram que decidisses o que fazer com aquele bolo contentor de todo o dinheiro do mundo.
Porquê eu? Ou melhor, porquê tu? Repetidamente a frase que te ficou do momento foi essa. Porquê?
Tenhas feito o que tenhas feito, feito o que querias ou o que achaste melhor, tu sabes que nunca conseguirias satisfazer mais do que o milhão de pessoas que estavam dentro do cubo. E caso tenhas conseguido distribuir uma justa fatia por cada um dos presentes, apenas mantinhas o que já existia antes, cerca de 1% com o controlo de todo o dinheiro do mundo, pensas.
Fora do cubo reparas agora que o mesmo era insuflável e está a ser esvaziado como um balão gigante. Tudo a ser desmontado e já sem convidados a cerimónia acabou num tempo recorde e aparentemente ninguém se lembra de ti. Vestido como estás passas por alguém do staff e isso não passa despercebido a um tipo que ao passar por ti te dá uma chave.
Não consegues perceber o que se passa, mas na confusão diriges-te ao aparente objectivo da chave, uma carrinha de transporte de pessoas, que de porta aberta te faz sentar no lugar do condutor. Colocas a chave na ignição e a viatura liga-se, atraindo um grupo de pessoas com ar de querer ir para casa.
Estás na estrada, a conduzir uma carrinha com cerca de 9 passageiros, no retrovisor as últimas imagens do estaleiro do cubo transparente, quando ouves a voz do teu agora colega no banco do passageiro: Deixa-me no escritório. Assim fazes, deixas um a um em casa e terminas com o teu colega no escritório.
Ainda te sentes estranho por saber os caminhos daquela cidade, naquele país onde nunca tinhas estado, e salvo uma ou outra indicação de pormenor acertaste nas casas de cada um dos passageiros, que ao sair te agradecem pela boleia com um até amanhã.
Parado à porta do escritório, na primeira pausa da parte do dia de que ainda te lembras, começas a sentir vontade de fazer perguntas quando o teu colega se dirige a ti com um envelope, saindo da tua boca um o que é isto? A tua fatia, ou não a queres?
Até amanhã dizes. Até amanhã responde ele.
Felizmente nada disto tem relação com a realidade e nunca haverá um cubo gigantesco com todo o dinheiro do mundo transformado num bolo. Felizmente é apenas um exercício de imaginação e acaba aqui.
Até amanhã.